Avenida Rui Barbosa é o endereço mais chique da cidade
Caso madame Gondin, ou dona Helena, como queiram, resolva inovar e instalar sua chaise longue zebrada em pleno Parque Carmen Miranda, na Avenida Rui Barbosa, no Flamengo, e dali, com seu telefone blackberry, ditar os nomes dos colunáveis de suas páginas amarelas VIP, o "Sociedade brasileira", bastará olhar para as janelas dos prédios em frente para não se esquecer de alguém. O Rio badalado, de A a Z, está quase todo no Morro da Viúva.
Instalada entre os bairros Flamengo e Botafogo, bem em frente à enseada vigiada pelo cartão-postal carioca mais conhecido no mundo, o Pão de Açúcar, a Avenida Rui Barbosa tem 34 edifícios que são endereço de gente do naipe dos Mayrink Veiga (Carmen e Tony), Capanema (Ana Luiza e Gustavo Affonso), Camarão (Milu e Armando), Macedo (Clóvis e Camila), Carvalho (Maurício), Leite Garcia (Diva), Korn (Joel), Bermudes (Sérgio), Aranha Corrêa Affonso da Costa (Zazi) e mais, e mais.
Ainda que sem três das suas mais fulgurantes habitantes, as saudosas e queridas Lucianita Carvalho, Maria Eudóxia Duvivier e Lia Neves da Rocha, trata-se ou não de um CEP crème de la crème? Aliás, para começar, é morro "da viúva" porque, em 1753, passou a pertencer à mulher do comerciante Joaquim Figueiredo Pessoa de Barros, após a morte dele. Antes, porém, era chamado de Morro do Léry, uma vez que, dizem os historiadores, morou por ali, durante alguns meses, o francês autor do livro "Viagem à terra do Brasil".
Os registros também contam que, nos idos de 1860, no alto do morro, foi erguido um forte para defender a Praia do Flamengo e a Enseada de Botafogo na questão Christie, o incidente ocorrido entre o diplomata britânico William Dougall Christie e o governo brasileiro, o primeiro acusando o outro de negligência no trato da questão de um navio inglês que afundou no Rio Grande do Sul, não sem antes ser saqueado, tendo seus tripulantes, todos, assassinados, o que culminou com o rompimento das relações entre Brasil e Inglaterra.
Abertura para o mar
Na década de 20, o Morro da Viúva terminava diretamente no mar. Foi quando o prefeito Pereira Passos mandou cavar no sopé da montanha a Avenida do Contorno, hoje Rui Barbosa. No alto do morro, já havia um reservatório d'água (construído em 1880) para abastecer "todo o arrabalde de Botafogo", contam os historiadores.
Depois de diversos aterros, em 1962, o profícuo Carlos Lacerda, mais vigorosa antítese de César Maia, por exemplo, ou de Godofredo Pinto, mandou que se abrisse espaço para a praia (que hoje se conhece como de Botafogo), no trecho Rui Barbosa-São Clemente, o que franqueou 1,2 mil metros à beira-mar para o lazer do carioca.
Na Rui Barbosa estão a Casa do Estudante Universitário, o Instituto (de saúde) Fernandes Filgueiras, o já citado Parque Carmen Miranda e talvez a cobertura tríplex mais deslumbrante do Rio, de propriedade do antiquário Armando Camarão (e sua mulher Milu), anfitriões mais exclusivos do Rio, hoje - terraço que é palco de festas memoráveis.
Mas nem tudo são flores. A Associação dos Condomínios do Morro da Viúva (Amov), criada em 2000 para conter os assaltos, e presidida pela incansável Maria Thereza Sombra, vive às turras com a Prefeitura. Uma das disputas mais recentes ecoou nos jornais, com os moradores reclamando da zoeira de um culto evangélico na Enseada de Botafogo.
Outra foi em relação ao show de axé-music do grupo Babado Novo, que acabou em depredação do Aterro do Flamengo, de ponta a ponta, e arredores. "Não existe a menor possibilidade de a Prefeitura ceder o local para qualquer tipo de evento, principalmente como o promovido pela Igreja Universal. A partir das 17h, o caos se instalou na Avenida Rui Barbosa, com ônibus de todos os tipos estacionados, até em filas duplas. Nem a CET-Rio nem a Guarda Municipal apareceram", declarou Thereza.
A Amov correu ao Ministério Público para pedir apoio à causa: Que ficasse decidido que qualquer rebu oficial naquelas paragens estaria "não autorizado". As alegações: "Som ensurdecedor, trânsito caótico, insegurança dos moradores" que, também, miram igualmente contra as maratonas no Aterro. Saudáveis para muitos, as corridas desagradam os ilustres habitantes do pedaço, que pagam talvez o IPTU mais caro da cidade.
Os alto-falantes, no dia da correria, sempre aos domingos, começam a soar às 6h30, e os colunáveis, em seus lençóis de muitos fios, são "acordados em sobressalto", protestou Maria Thereza ao MP, e em companhia ilustre: "Vivo reclamando com a Fundação Parques e Jardins por causa da poda das árvores. Fui criada em fazenda e sei como isso deve ser feito", costuma dizer Diva Leite Garcia, vice-presidente da associação.
Estritamente residencial
São mais de 5 mil moradores, na faixa etária acima de 40 anos, de olho também nas ações de uma vereadora que traz o bairro no sobrenome. Dona Leila do Flamengo, que pelo nome não se perca, resolveu criar um Projeto de Lei propondo a transformação da Rui Barbosa em Zona Turística 1. Trocando em miúdos, a área, estritamente residencial, vive sob a ameaça de virar zona comercial, podendo abrigar hotéis, boates, restaurantes, boutiques, casas de chá, cinemas, pensões, etc. Que tal? Desavisada, dona Leila deve ter perdido uma penca de votos na região, já que, em campanha aberta contra o projeto, a turma VIP despachou e-mails para os gabinetes de todos os vereadores do Rio.
Não que seja uma avenida de flamenguistas, já que há por ali botafoguenses históricos, como Clóvis Macedo, Antônio Neves da Rocha e tantos outros, mas na Rui Barbosa está fincada aquela que é chamada informalmente de "sede velha", ou "sede do Morro da Viúva", do rubro-negro da Gávea. Fica no número 170, onde no térreo há uma academia de karatê que foi a primeira a abrir portas para mulheres, no Rio.
Um decreto legislativo da antiga Câmara dos Deputados do Distrito Federal deu de presente ao clube uma área de 2.500 metros quadrados. Na administração do presidente Gustavo de Carvalho, o clube pediu um terreno vizinho ao então Ministro da Guerra, Marechal Eurico Gaspar Dutra, no que foi atendido. E com a facilidade que cabe peculiar ao clube do urubu, uma comissão foi ao mesmo marechal pedir financiamento para a construção de uma sede social no local.
O militar se empenhou pessoalmente à causa e obteve o apoio financeiro necessário. Foram erguidos dois blocos com 24 pavimentos cada, totalizando 148 amplos apartamentos com a vista mais deslumbrante do Rio de Janeiro. Preço da obra: R$ 52 milhões de cruzeiros antigos. Só para lembrar, naquela época, o Flamengo tinha Dida (Edvaldo Alves Santa Rosa) como ídolo. O mesmo Dida que, ainda hoje, é venerado por Zico. Mas isso é assunto para outra ocasião.