sábado, dezembro 15, 2007

Marco da arquitetura mundial

Palácio Gustavo Capanema foi projetado a muitas mãos de grandes artistas, como Niemeyer, Lucio Costa e Le Corbusier

O Palácio Gustavo Capanema fica onde o vento faz a curva. Literalmente. Os 16 andares (27.536 metros quadrados) projetados a muitas mãos (entre elas, as de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa) estão equilibrados sobre um paliteiro de concreto de 10 metros de altura, pilotis bem arrumados que fazem proliferar uma brisa suave. Pode estar o calor infernal do Rio 40 graus, mas, por ali, no final da Av. Graça Aranha, no Centro, confluência com a Rua Santa Luzia, a carícia do vento é um convite ao piquenique na hora do almoço-executivo.

A sede do Ministério da Cultura no Rio é um chamado ícone da arquitetura moderna mundial. Foi construída no Estado Novo (1937/1945) e tombada pelo Iphan em 1948. Na equipe de projetistas, além dos geniais já citados, outros jovens recém-formados como Jorge Machado Moreira, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos. A inspiração veio da Europa, do arquiteto Le Corbusier. Mais que inspiração: o francês pôs a mão na massa.

Trata-se de um cartão-postal importante. Não é todo prédio que pode sair por aí se gabando de que em seu pátio principal há um painel de azulejos desenhado (com peixes e estrelas-do-mar) por Portinari, de ter, em seus corredores, pinturas de Alberto Guignard e Pancetti e, nos jardins (de Burle Marx!), esculturas de Bruno Giorgi e de Jacqques Lipchltz. Papa fina.

O "prédio do MEC", como é conhecido popularmente, pois sediou o Ministério de Educação e Cultura antes que a capital se mudasse para Brasília, é batizado com o nome do ministro da Educação getulista, que lutou pela construção. Gustavo Capanema foi quem contratou Lucio Costa e, a pedido deste, mandou que um zeppelim trouxesse ao Brasil o francês Le Corbusier, que corria o mundo à epoca fazendo palestras, para dar opiniões sobre o projeto.

O mestre ficou no Rio durante três semanas, mudou quase que por completo a concepção dos brazucas, e outras duas boas idéias para a obra. Antes do prédio carioca, nem Nova York contava com monumentos enormes de concreto e vidro - um "estilo europeu" de arquitetura, "não americano", como bem lembrou Lucio Costa em certa ocasião - o que os livros guardam.

Em "As curvas do tempo", Niemeyer escreveu sobre o prédio e a vinda do colega francês. "Para mim, o primeiro estudo de Corbusier era muito melhor. E, quando vi os desenhos do segundo projeto sendo concluídos, tentei, angustiado, uma idéia diferente, tendo como base seu primeiro projeto. Carlos Leão gostou dos croquis que eu desenhei, falou com Lúcio, eu os joguei pela janela - nunca me ocorreu vê-los aproveitados - Lúcio mandou buscá-los e foram aproveitados".

Tudo meio que começou assim: em 1935, Gustavo Capanema mandou publicar edital para escolha de um projeto arquitetônico para a sede do Ministério da Educação e Cultura. O vencedor foi Archimedes Memória, resultado que não agradou ao ministro.

Capanema pagou o prêmio a Memória, mas contratou outra idéia, agora de Lucio Costa. As leis urbanas limitavam qualquer construção naquela área a sete andares. Fala-se que o concurso inaugurou uma cizânia entre Memória e Costa.

Lugares matemáticos
O projeto da turma de Lucio Costa pregava a instalação de venezianas de vidro de um lado da fachada - o que aconteceu - acessórios que muitos entendidos chamam de "brise-soleil". Olha aí a história de o vento fazer a curva. Talvez tenha vindo de Niemeyer a inspiração para um pátio com enorme espelho d'água.
Mas o consultor Corbusier logo vislumbrou que o terreno escolhido para fincar o prédio seria engolido por outras construções e sugeriu a transferência da obra para uma outra área, no trecho já aterrado da Avenida Beira Mar, onde hoje está o Museu de Arte Moderna. Fez muitas interferências no projeto original e mudou tudo - fazendo surgir os pilotis e o auditório.

"Em torno do edifício, dentro do edifício, há lugares precisos - lugares matemáticos que integram o conjunto e que constituem tribunas onde a voz de um discurso encontrará seu eco em derredor. Tais são os lugares da estatuária", escreveu Corbusier em 1936.

O prédio foi erguido, inaugurado, tombado, esquecido, lembrado, restaurado, e aqui está ele, outra vez merecidamente citado como gancho do centenário de nascimento de um dos projetistas. Nesse tempo mais recente, houve um presidente da Funarte, Celso Frateschi, que anunciou a realização de uma série de "eventos culturais" no prédio.

"Haverá espaço para todas as artes. Vamos entregar o Palácio Capanema para a população, transferindo as atividades administrativas para outro endereço" declarou, à moda fi-lo porque qui-lo, com a aquiescência caymmiana do ministro-cantor.

Tudo não passou de conversa para boi-da-cara-preta dormir, e o local prossegue na base dos trancos e barrancos, só ganhando maquiagem, vez ou outra, quando recebe visitas de autoridades, como aconteceu recentemente com a vinda do presidente Lula. Até a grama foi aparada - fato de um ineditismo impressionante.

É fato que o "Palácio da Cultura" tem passado por um longo período de revitalização orquestrada pelo Iphan (o escritório regional do instituto tem sede no local), mas como os passos de tartaruga das ações públicas são marca do Brasil, "quando um azulejo chega a ser reconfigurado, é o piso que precisa ser revisto, um elevador que pára, e aí nada se conclui", conta um restaurador, exercendo seu ofício no sobe-e-desce daquelas escadas sinuosas.

O projeto de restauração atual é extensivo a todo o importante acervo de obras de arte e mobiliário. Tendo começado a trabalhar nos anos 80, uma turma que labutou pela recuperação do PGC fez um inventário dos objetos e documentos, cadastrando tudo nas chamadas fichas técnicas.

Em 1983, um convênio com a Fundação Getúlio Vargas permitiu uma elogiada pesquisa documental que gerou o livro "Colunas da educação", lançado em 1996, com os principais documentos da época da construção. Um exemplar pode ser comprado na feirinha da Praça XV por R$ 20.

Não chega a ser num piquenique daqueles preconizados no primeiro parágrafo, mas o bancário Josué Marques, 35 anos, que trabalha nas adjacências do "Palácio da Cultura", como ele chama o prédio, volta e meia arranja um jeito de esticar o almoço e o lanche embaixo daqueles frescos pilotis. Só se recente não haver bancos no local. "Sempre que estou aqui, me imagino fora do Rio de Janeiro. Essa calmaria não condiz com o Centro da cidade. Dá vontade de ficar aqui para sempre", testemunha, encantado com o painel de azulejos de Portinari.

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