O capitalismo de compadrio entrou em cena
Por Elio Gaspari
(artigo originalmente publicado n'O Globo de 14/04/2013
Quem comprou um lote de ações da OGX de Eike Batista quando
ela foi lançada, em 2008, pagou R$ 1.200. Hoje ele vale R$ 150. Milhares de
pessoas tomaram esse tombo, sem que houvesse uma crise na economia ou
cataclismo. Pequenos e grandes investidores acreditaram num negócio e deram-se
mal. Assim é o mercado.
Diante das dificuldades do bilionário brasileiro, surgiram
duas linhas de argumentação defendendo um socorro da Viúva. Quase todas vindas
da privataria, outras, do comissariado.
Numa, Eike Batista deve ser amparado para evitar que suas
dificuldades comprometam a imagem do Brasil junto ao mercado de investidores
internacionais.
Ou então ele deve receber alguma proteção para evitar um
risco sistêmico.
O primeiro argumento é uma falsidade. Imagine-se um investidor
americano, em seu escritório de Chicago, recebendo a informação de que o
governo brasileiro amparou o empresário que em 2011 foi listado como o homem
mais rico do país, com US$ 30 bilhões, e anunciou que pretendia ser o primeiro
do mundo. Ele tem grandes empreendimentos, mantém uma Mercedes SLR McLaren
atrás de uma vidraça de sua sala de estar e disputou num programa de televisão
a lingerie que pertencera a sua mulher. Já veio a público defender o seu
direito de emprestar um jatinho para autoridades federais, estaduais e
municipais. Na última campanha do governador Sérgio Cabral, pingou R$ 2
milhões. Noutra, do prefeito Eduardo Paes, botou R$ 500 mil. Ademais, ele tem
patrimônio para oferecer ao mercado. O governo ampararia um empresário que em
2007 criticava a falta de “cultura de risco” de seus pares.
O sinal que o investidor estrangeiro recebe é o do triunfo,
no Brasil, do capitalismo de compadrio. Ele já viu o fim desse filme na Coreia
em 1997, na Espanha em 2008 e na Grécia em 2010.
O segundo argumento, mencionando um “risco sistêmico”,
merece ser traduzido: trata-se de usar dinheiro da Viúva para blindar bancos
oficiais e privados que emprestaram dinheiro ao grupo EBX, assumindo riscos
maiores que os dos acionistas. Típico resgate do andar de cima. Coisa de pelo
menos R$ 13 bilhões. Uns R$ 8 bilhões saíram do BNDES e da Caixa, que lidam com
recursos públicos. Outros R$ 5 bilhões foram emprestados por banqueiros e fundos
que tinham “cultura de risco”.
Imagine-se a seguinte situação: em 2008, Guido Coutinho
comprou R$ 1,2 milhão de ações da OGX. Nesse mesmo ano, um grande banco
emprestou R$ 120 milhões a uma empresa de Eike Batista. Mais tarde, sem relação
com o investimento que fizera, Guido fez um empréstimo de R$ 1,2 milhão no
mesmo banco que comprou o “risco Eike”. Hoje, o bom Guido está com R$ 150 mil
na sua carteira de ações e, com seu trabalho, tudo paga o que deve ao banco.
Ele sabe que nos próximos anos não recuperará o investimento que fez nas ações,
mas o banco que emprestou a Eike quer o seu. Como metade do crédito saiu do
BNDES, o capitalismo de compadrio poderá colocar Guido Coutinho no pior dos
mundos: perdeu nas ações, pagou o que devia e o dinheiro dos seus impostos,
convertido em aportes do Tesouro, seria usado para refrescar os bancos que
emprestaram a Eike. O mesmo acontecerá se, por meio de alguma gambiarra, a
Viúva capitalizar as empresas X para fechar a conta com a banca privada.
Fracassada a tentativa de transferir um estaleiro capixaba
para a carteira do grupo X, surgiu uma manobra no mercado: a Petrobras pode
entrar no empreendimento do porto de Açu. Metade dessa grande obra está pronta,
recebeu R$ 4 bilhões de investimentos, emprega oito mil pessoas e tem muito
para dar certo. A doutora Graça Foster informou que a empresa ainda não pensou
nesse assunto. Se a Petrobras quiser entrar no Açu, pode-se perguntar por que
esse interesse só apareceu agora, já que o projeto existe desde 2007.
Se a estatal se decidir por essa transação, fará bem se
exibir uma transparência a que não está habituada, mostrando todos os números
aos seus acionistas. O petrocomissariado pode provar que está diante de uma boa
ocasião para fechar um grande negócio: basta contratar uma auditoria
internacional para referendar sua opinião, mostrando custos e preços.
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