Em livro, mestre anuncia a criação da Escola de Arquitetura e Humanidades para abrir horizontes às novas gerações
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Uma vez, em seu escritório com vista para o mar, na Avenida Atlântica, Niemeyer observou, "espantado", o diálogo entre duas estudantes. A primeira dizia estar lendo "um livro de Eça de Queiroz", no que a outra rebateu com a seguinte pérola-indagação: "Esse Eça é filho da Raquel de Queiroz"? O gênio da arquitetura lembra a cena em seu mais recente livro, "O ser e a vida", lançamento da editora Revan, cujo objetivo, diz o autor, é contar como a leitura "foi importante" em sua vida, dando "um sentido mais amplo, mais modesto, diante deste universo que nos encanta e humilha".
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O diálogo entre as mocinhas foi por demais impactante, que Niemeyer considerou a urgência de "intervir no processo de formação da juventude" brasileira, para dar a alunos de cursos superiores "uma visão mais ampla e abrangente dos problemas que iriam encontrar pela frente, palestras paralelas, cursos de extensão, algo que lhes revelasse a realidade perversa que os espera". Ponto de partida da Escola Oscar Niemeyer de Arquitetura e Humanidades.
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Aberto com carta assinada por Fidel Castro, datada de outubro deste ano, "ano 49 da Revolução", acentua, o livro tem a marca do doutor Oscar: todo em branco-e-preto, com capa dura e poucas páginas (perto de 50), além de alguns dos seus desenhos. "Ler é uma couraça contra todo tipo de manipulação", testifica o presidente de Cuba.
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Niemeyer conta, "comovido", que um dia, ainda jovem, o amigo Rodrigo Mello Franco de Andrade lhe disse: "O importante é ler, informar-se, sobretudo do que ocorre a nossa volta, conhecer a língua, os escritores mais fundamentais". Ele seguiu o conselho. "Com entusiasmo", passou a se dedicar a todo tipo de leitura, e não apenas a textos sobre arquitetura. Foi além: quis saber como os escritores eram "na realidade".
Ficou encantado quando soube, por exemplo, que o "modesto" Machado de Assis descia todo dia no bondinho do Cosme Velho para a Academia. E a lista de exemplos de encantamento do mestre é longa.
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Ele cita Graciliano Ramos, "meu companheiro na célula do PCB", Jorge Amado, "velho e querido camarada, alegre e desinibido como as personagens de seus romances", Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e Chico Buarque, "que representam o que há de melhor na poesia brasileira".
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O economista Carlos Lessa, que também apresenta a edição, vizinho de página de Fidel, diz que acha "nuclear" a meta de Niemeyer, de possibilitar ao estudante a navegação sobre as contingências "e exercer sua liberdade em prol do processo civilizatório. A Escola Oscar Niemeyer de Arquitetura e Humanidades será o ponto de partida de uma nova curva biográfica para seus estudantes", filosofa.
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A vontade de conhecer os escritores que o seduziam levou Niemeyer a querer deles também o teor da correspondência. No livro ele lembra das cartas de Mário de Andrade para Lima Barreto, "como gostei", das missivas de Flaubert, Eça de Queiroz e James Joyce. "E, mais longe, das de Voltaire", acentua. O mestre das curvas concretas enfatiza que a leitura foi muito importante em sua vida.
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Mesmo as histórias policiais não ficam de fora. "Acho que li todos de Simenon", recorda. "Os amigos se espantavam, argumentando que neles nada havia de conteúdo importante. Lembro-me da ocasião em que os fulminei, dizendo que em suas `Cartas ao Castor' Sartre confessava que em um dia havia lido três romances de Simenon", se diverte.
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"Sem a leitura o jovem sai dos cursos superiores desprovido do conhecimento da vida, deste mundo difícil que vai encontrar pela frente", atesta Niemeyer. Para ele a idéia de fazer brotar o hábito da leitura na garotada não deve se limitar aos que chegaram à universidade, mas precisa ser prática entre todos, começando na escola primária.
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Seu Oscar lembra o amigo Darcy Ribeiro e sua proposta do Ciep, a escola que "deu ao problema do ensino uma solução mais humana, mas que, infelizmente, foi interrompida por motivações políticas". Claro que o comunista dispara sua munição contra o capitalismo. Em seu entendimento, o desinteresse, por parte dos jovens, pelos problemas graves da humanidade, como pobreza e violência, é reflexo do regime que prega o poderio do dinheiro. Os jovens de hoje só têm como objetivo de vida "competição, poder e riqueza".
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Um dia, um companheiro de trabalho, rapaz "modesto", manifestou o desejo de estudar arquiteura. Niemeyer fez uma contraproposta: pagava o curso para o colega, desde que ele se comprometesse a ler dois livros por mês. "Hoje, já às vésperas de se graduar", conta o mestre, "recordo como esse fato comprova a importância que dou a toda iniciativa para estimular nos jovens esse hábito indispensável", prega, definitivo.
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O SER E A VIDA - Livro de Oscar Niemeyer com 48 páginas. R$ 38. Pode ser encontrado em todas as livrarias do Brasil