Por Andre Porrastieri
Coluna Fora do Beiço
Não existem palavras na língua portuguesa para descrever o
casamento de Preta Gil. “Do cacete”, “poutaquelamerda” e “o bem-casado tava
mara!” são expressões, não palavras. Precisaríamos da precisão zombeteira de
Kiko Zambianchi. Da capacidade de indignação de Luiz Carlos Alborghetti. Da
compreensão do subdesenvolvimento de Alexandre Frota. Do ouvido apurado e
brutal de um Serginho Chulapa.
Sem um milésimo do talento de nenhum deles, resta focar nos fundamentos do
jornalismo: siga o dinheiro (galera do RH, cinco e meia tô passando aí, e sem
desculpinha dessa vez!).
.
Quem pagou pelo vestido com trocentas pérolas vivas? A festa para 700
figurantes do Esquenta? Os 35 seguranças multiétnicos, os 14 lustres com
cristais baccaralho, milhares de flores, whisky, champagne e ex-maridos?
O aluguel da Igreja Nossa Senhora do Carmo (recentemente rebatizada Igreja
Nossa Senhora Dona Canô, por pedido de Caetano), a mais fina da cidade? A
descrição é indescritível: “o grande movimento de carros nas ruas estreitas de
Santa Teresa (rebatizada Santa Tereza Rachel por pedido de Wolf Maya) causou um
nó no trânsito, já que os convidados param em frente à casa para entrar no
evento. Alguns ônibus não conseguiram passar e passageiros desceram a rua
escura a pé reclamando por terem dado de cara com Vera Loyola.”
.
Sabemos quem não pagou: o noivo, personal trainer, que está desempregado desde
que colocou a noiva como o destaque do seu currículo. E sabemos o que não
pagou: a carreira de Preta Gil. Tudo que ela toca vira Preta Gil. Grava discos
que ninguém baixa, faz shows em que as pessoas pensam que ela está só fazendo
sala até a Ivete chegar, não emplaca em mérdia nenhuma. Jamais decolou ou
decolará, pois muito mais pesada que o ar. Pode andar 50 quilômetros por
qualquer grande cidade brasileira e não será reconhecida – mas deveria andar
mesmo assim, todos os dias.
.
Talvez papai e mamãe, Gil e Flora (alguém já batizou o casal como Floragil? Se
não, é meu! Gostei, parece remédio pra flora intestinal, mas do tipo que solta
o intestino)? Casamento de filha é oportunidade única para se exibir, e essa
foi a terceira oportunidade única de Gil casar Preta. Mas esse não é só o
casamento da filha de um homem rico, de um ex-ministro. É uma reunião de
algumas das pessoas mais famosas do Brasil. Algumas muito amadas pelo povão.
Outras sem fama, mas perfeitas ilustrações do que é feito o nosso país.
.
E Preta
Gil, em seu primeiro papel como protagonista. Desconhecia o casal Amora Mautner
e Arnon Collor de Mello. Ela é filha acho que daquele Jards Macalé (não sei
direito que apito toca), ele de Fernando Collor (jet ski, Presidência da
República, supositório). A poesia alternativa, a tirania alagoense, novela, é
tudo a mesma coisa. A arte no Brasil sempre acaba em farsa. E novela, em
casamento. É, em farsa também.
Por isso é que o Rio continua sendo nossa verdadeira capital – tá lá aquele
Jesuzão mostrando quem manda no Congresso atual. É o lugar da fama, do poder e
do Biscoito Globo. Do dinheiro público, que move as engrenagens da fama e do
poder (e do Biscoito Globo?). Ninguém nas nossas artes personifica esta
proximidade proveitosa do poder tão bem quanto Gilberto Gil. Conforme sua
carreira decaía, se transmutou em ongueiro, reggueiro, ministro e muleque
piranha de dread. Graças às leis de incentivo à cultura, pintou uma graninha
boa para o Gil assim que deixou o ministério – com ela, produziu os espetáculos
“Gil Brilhante”, “Todo o Gênio de Gil”, “Paranauê É Com o Gil”, “Gil, o Shogun
do Harlem” e “Gil, o Flagelo dos Deuses”.
.
Quando você embolsa dinheiro público para bancar seus corre artísticos, está
fazendo um negócio, e ótimo, porque sem risco. Se ninguém aparecer para
assistir ao filme que você produziu, dane-se, você já ganhou o seu. É o que
acontece com 90% dos filmes bancados via lei de incentivo. E MESMO ASSIM O
FÁBIO PORCHAT VEM RECLAMAR QUE TÁ PASSANDO “VELOZES E FURIOSOS 7 – KEEP PAUL
WALKING” DUBLADO NAS CINCO SALAS DO MULTIPLEX DO BAURU SHOPPING EM VEZ DO FILME
DE ABELHA DELE! Lei de incentivo compra a cumplicidade da classe artística, que
a vende baratinho. Ontem mesmo arrematei a integridade artística da Claudia
Leitte no Mercado Livre. Novinha, nunca usada.
.
Quem é chegado dos poderosos sempre garante suas bocadas. Juca Ferreira está lá
no Ministério para garantir que o que tiver de verba, vá para as mãos “certas”
(Maria Bethânia, estou vendo você aí, com as mãos “certas” estendidas… um
vestido branco longo… pés descalços, os cabelos caídos sobre o rosto… Brrr…). O
casamento de Preta pode durar para sempre ou acabar semana que vem, que é o que
acontece frequentemente com esses enlaces espetaculosos. O descaramento é para
sempre. E, no caso da Ângela Bismarchi, a virgindade também.
.
Não nos faltam só palavras para descrever o que foi esse casamento de Preta
Gil. Nos faltam também escritores. Precisamos muito de alguém com o talento e a
coragem para tranformar em literatura a seguinte notícia, de dezembro de 2014:
“o Ministério da Cultura autorizou a captação de R$ 6,5 milhões de reais para a
peça Gilberto Gil, o Musical.” Gilberto Gil, o Musical. Atores dizendo naquele
jeito cantado trocadilhos como “Parabolicamará”, algum deles caracterizado como
Punk da Periferia com cabelo moicano roxo, pulseira de tachinha e camiseta do
Iron Maiden, e um ato inteiro de odes a um abacateiro… Stephen King, precisamos
de você.
.
http://foradobeico.tumblr.com