Bruno, o chamei de “príncipe” por suas idéias monarquistas, já marcava pela beleza e o charme. Cabelos longos no mesmo comprimento daqueles do senador limítrofe de Niterói, o Salgado. Foi amor à primeira vista. Logo estávamos ao telefone, madrugadas inteiras rompidas, com Bruno me contando segredos, dando-me notícias ótimas para a coluna e dissertando sobre todos os assuntos. Falávamos do “headhunter” do momento ao sanguinário ditador Slobodan Milosevic, o líder sérvio. Eram assim os nossos dias.
Lembro que a primeira grande festa do Bruno, fora do eixo Narcisa, daqueles rebus com a presença do que se chama de “alta sociedade carioca”, foi em um meu aniversário, no saudoso Le Saint Honoré, melhor restaurante do Rio, no alto do também morto e enterrado Hotel Meridien, na Avenida Atlântica. Com o salão apinhado de Carmens Terezinhas Solbiati Mayrink Veiga, do saudoso Harry Stone (com Lúcia), da linda Thereza Collor no auge do sucesso, sem falar na Mariza Coser com o Jair, no Alberto Rolla com a Guiomar, na Alice Tapajós, então manda-chuva da moda carioca, e num prestigiado prefeito de Niterói, João Sampaio, entre outros bacanas, o Bruno chegou vestido como um Luis XIV revisitado, um Zorro debruado de dourado, dentro de uma capa preta de parar a Copacabana que precisou de uma década à frente para se abalar com a Bebel.
Bruno roubou a cena do meu aniversário! E antes que as jaciras de plantão se apressem a conjeturas relativas a qualquer ponta ciúmes de minha parte, pelo brilho do outro na minha festa, conto que, muito pelo contrário, vibrei como nunca! A festa, que já àquela altura bombava com a chegada da divina Carmen, toda de preto (tailleur Saint Laurent, gola de vison), ganhou ares ainda mais excêntricos com a chegada daquele super-herói exótico, lindo e longilíneo. Claro que todas as mulheres quiseram conhecê-lo, e os flashs não pararam de disparar.
Detalhe dos detalhes: cada um pagou a sua conta, menu de Paul Bocuse (mousseine de salmão com algas, pato assado com mangas, e mais, e mais), champã Dom Pérignon vintage doado às caixas pela Lily Marinho, então Lily de Carvalho, minha querida Lily até hoje. Uma festa de adesão, nêga, porque-prestígio-sempre-tive.
Mas o Bruno. Falava do Bruno que, em pouquíssimo tempo de estrada, já está escrevendo para a “Vogue” (a coluna de estréia sai em outubro). Que tal? O que aquele meninote, o Galvão, filho do Grajaú, gramou durante anos de estrada, tendo sido até assistente da Lu Lacerda (você pode imaginar o que é ser assistente da Lu Lacerda?), para chegar a editor da Vogue RG, o Bruno rompeu em coisa de três meses. Ou um pouco mais.
Estrela é o nome disso. E já naqueles obscuros 90’s, eu já atentava para o brilho desse menino órfão de pais desde muito cedo, criado pela suave tia Iva no alto da Rua Sacopã, endereço que já pressupõe racé, ou não? O primeiro texto publicado do Astuto saiu no meu jornal, o “M”, que edito uma vez na vida, outra na morte, e só para bacanas, como a Egoïste faz em Paris. Ironia do destino, a retratada por Bruno era a então sua “melhor amiga”, Narcisa Tamborindeguy – hoje eles estão inimigos. Vou ao arquivo reler e compartilho com você um trecho: “ ‘Ah, les beaux amours des narcisses...’. O Parnaso contemporâneo francês já previa nesse verso o que o futuro reservava ao mundo quase um século depois: no berço dos Tamborindeguy, a pequena Narcisa daria os primeiros passos”.
"Te mete!" - exclamaria a Isabelita dos Patins.
Logo, o Bruno viraria colunista do "M", assinando um espaço intitulado “Cabeças Coroadas”, falando sobre seu assunto predileto, a Monarquia. Minha idéia era a de que ele escrevesse uma coleção de livros, um volume sobre cada rainha, mas aí o garoto já dava seus vôos solitários, qual um beija-flor no sítio do Burle Marx, e a editora escolhida não foi a minha, mas outra, e o projeto gráfico também não meu, como planejado - não sei quem foi que fez. E nos "agradecimentos", lá estava meu nome, no meio de um monte de gente, como mais um botão no canteiro das margaridas.
O segundo volume da coleção não saiu.
Bruno casou (mal), descasou, e comigo ainda tem o poder de fazer milagres. Repete que me tem como “melhor amigo”, mas acho que fala por elegância. Foi capaz de me tirar de casa, quem me conhece sabe que só saio se me meu edifício pegar fogo, para ir ao apartamento de André Ramos e Bruno Chateaubriand que, todo mundo está ciente, não são tratadistas das minhas preferências. Ou não eram. Aniversário do Astuto, e no dia da festa, lembro bem, ele me ligou umas 10 vezes, intimação para comparecer. “Se você não for, vai perder minha amizade, corto relações”, ameaçou. Lá segui para o “território inimigo”, não sem antes deixar de amarrar um cachecol vermelho-sangue no pescoço para conter o veneno (meu, inclusive).
Se em três meses o Bruno chegou à Vogue, desculpas, Gigi, mas não vai demorar muito para ele aportar em O Globo. Escreva o que estou dizendo, porque meu anel de Valentina é poderoso. Bruno é o Jacinto de Tormes da hora, ainda que um Daniel Más me apetecesse muito mais. Só precisa aguçar o faro para identificar os abutres - aquele tipo de lalás que comigo não se cria: só cola no sujeito para levar vantagem, para ter a cara estampada no jornal.
PS. Depois dos ovos jogados pela janela, dizem que chocados na dança do passarinho... vai ter a Festa do Tomate no Chopin, neste sábado. Todo mundo de encarnado. Fico aqui na dúvida, cá com os meus botões de madrepérola, imaginando como não ficará a Leda Nagle todinha de vermelho.
FOTO-LEGENDA – Bruno em sua estréia nos salões da “alta sociedade carioca”. Vestido à la Luis XIV, na festa do meu aniversário, dividindo holofotes com a Carmen Mayrink Veiga. Minha gravata, hoje medonha, é YSL. Dá um desconto, afinal, era começo dos 90. O terno com calça de pregas é Armani, igualmente (hoje) pavoroso. Só falta o celular pendurado na cintura, qual um Albucacys. E o cavanhaque farto? Quanta blasfêmia! E os pés paramentados com chuteiras da Adidas? Ninguém merece.
Entre nós, a baiana mais amada do Brasil, Bebeth de Freitas, avis rara, anfitriã de almoços apimentados imperdíveis em seu apê de Ipanema, e hoje esquecida: internada em um asilo em Santa Teresa, ninguém vai visitá-la. Nem os colunistas que tanto a alugaram. Conta a lenda que Bebeth ensinou um milionário emergente a se vestir. Ele só tinha ternos cor-de-salmão no guarda-roupa.